sábado, 30 de janeiro de 2010

Danças

As pernas tremiam-lhe e sentia arrepios desagradáveis, ritmados, a apossarem-se de si. Resistia, com quanta força tinha à enorme, enormíssima, premente, inadiável vontade de ir à casa de banho.

O tempo gasto na deslocação à” casinha”, ainda que fossem só uns exíguos minutos, era visto com maus olhos, algo contrário às boas práticas instituídas, um crime de lesa-majestade.

A ordem era resistir, resistir como um Homem, imaginar-se a marchar contra os canhões, puxar pelo brio, não dar parte fraca e enquanto isso, balancear-se, colocar-se ora sobre a perna esquerda ora sobre a outra.

A mirá-lo estava Laura e percebeu o que se passava, até porque ela também estava com o mesmo problema e adoptara o balancear como forma de suportar o suplício.

-As Mulheres também resistem…-murmurou Laura, tentando solidarizar-se.

-Também o quê? - interrogou Afonso.

-Resistem… - disse já a medo.

-Resistem a quê?- retorquiu um tanto ou quanto mal humorado Afonso.

-Às necessidades… - respondeu.

-Macacos me mordam se entendo o que se está a passar! – desabafou Afonso - ora apoiando-se numa ou noutra perna.

-Ora pois sim… - fungou agastada Raquel - eu estou na mesma - e uma lágrima envergonhada escorreu-lhe pela face, enquanto mudava o apoio para a perna esquerda.

Pelo altifalante, uma voz metálica interrompeu o diálogo:

-D. Laura e senhor Afonso, apresentem-se com a maior brevidade possível no departamento de pessoal.

Mal entraram na sala, a directora puxou dos seus galões e disse, balanceando-se ela também:

-Nas horas de trabalho, os senhores em vez de trabalharem ensaiam passos de dança?

Não tiveram tempo de responder, pois acabava de entrar o director geral que os mirou de alto a baixo e comentou:

Era o que faltava, uma companhia de dança na minha empresa…

Jorge C. Chora

1 comentário: