Todos os dias, à mesma hora, Idalina franqueava a porta do café de um modo indeciso, como que à espera de um sinal, e não propriamente devido aos seus noventa anos. Parava, perscrutava o interior do estabelecimento, oferecia um sorriso à esquerda, outro para quem se sentava em frente, evitando olhar sequer para a direita. Lá com as direitas nunca quisera nada. Não era agora, mas não mesmo, que daria o braço a torcer. Abanava a sua pulseira de diamantes, herança dos seus poderosos antepassados, com irritação evidente por se colocar a hipótese, ainda que remota, de olhar para aquela direcção.
Avançou um pequeno passo, pôs-se à escuta e, de repente, um leve sorriso primaveril despontou nos seus lábios descorados. Levantou um pouco o pescoço, colocou a mão em concha junto ao ouvido e sentiu-se leve, leve como uma pena, sustentada no ar pelos melodiosos trinados que se faziam ouvir, de forma suave, muito suave…
Os trinados enchiam a sala e tornavam-se mais intensos e ritmados à medida que progredia, e Idalina embalada seguia marchando, bamboleando-se cadenciadamente, de modo alegre, até que explodia num ritmo de aleluia.
Encomendava as suas torradas e o seu chá, e enquanto comia era acompanhada por um palrar gracioso e calmo que a ajudava a deglutir o seu parco pequeno-almoço.
O que mais a intrigava era o facto de nunca ter conseguido descobrir o esconderijo do canário e, por mais de uma vez ter perguntado ao dono do café onde é que ele estava e a resposta era sempre a mesma:
-Está escondido. É envergonhadíssimo. Se estivesse à vista nem piava.
-Nem se fala mais nisso. Deixe-o tal como está, que sem o seu canto a minha vinda aqui deixava de fazer sentido. Até amanhã.
-Até amanhã - respondeu-lhe distraidamente o jovem barbudo que estava ao balcão e que mal ela saiu continuou a chilrear, tal canário livre e feliz.
E foi assim que o “Canário” barbudo não perdeu a sua cliente.
Jorge C. Chora
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
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:-)
ResponderEliminarMuito boa, Jorge!
Mestre Jorge, Guru da Literacia,
ResponderEliminarserá que o canário quereria fazer dessa jovem nonagenária a sua gaiola de sedução...?