sábado, 12 de dezembro de 2015

O NOVO SINBAD



Há uns anos, quando me dirigia a um dos cafés do bairro, uma idosa pediu-me ajuda para atravessar a passadeira de peões. Prontifiquei-me a ajudá-la.

Com uma força inesperada, prendeu o seu braço ossudo ao meu, apertando-o como se estivesse a afogar-se.

Atravessada a estrada, desejei-lhe um bom dia e despedi-me:

-Minha senhora, já cá está sã e salva deste lado...

-Salva estou… quanto ao sã, quem me dera estar…

A senhora continuava a pressionar-me o braço, sem dar qualquer sinal de abrandamento e disse-me:

-Caro jovem, agradeço a sua simpatia e peço-lhe que me leve até à esquina… -e apontava-me a casa bem ao fim da rua.

A ver as horas de entrada ao serviço a aproximarem-se, sorri um pouco encavacado e, com vergonha de dizer não, segui até à esquina indicada.

É claro que os leitores já adivinharam que o meu tormento não chegara ao fim.

-Para dizer a verdade, meu dilecto amigo, eu vou ao Centro de Saúde…se não se importasse de me acompanhar …

Não acreditei no que ouvia. O Centro ainda era bem longe do local onde nos encontrávamos. Pensei em mim como num novo Sinbad, escravizado pelo velho que se encavalitara em torno do seu pescoço e o dominava com as pernas, transformadas em galhos secos que o asfixiavam. Recordei a artimanha do marinheiro para se libertar do jugo: embebedar o velho…

De modo quase inconsciente, avaliei a propensão para a pinga por parte da idosa e não vi sinais de vermelhidão na ponta do nariz, nem cheiro a álcool. O único cheiro que ela exalava era a pó de arroz…

Estava eu nesta indecisão quando passou uma vizinha que me libertou:

-Ora venha daí Dona…vai para o Centro de Saúde não é…continua a saber escolher quem lhe apara os golpes…

E as duas senhoras seguiram, uma pendurada na outra, para o mesmo destino.

Jorge C. Chora


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