Há uns anos, quando me dirigia a um dos cafés do bairro, uma
idosa pediu-me ajuda para atravessar a passadeira de peões. Prontifiquei-me a
ajudá-la.
Com uma força inesperada, prendeu o seu braço ossudo ao meu,
apertando-o como se estivesse a afogar-se.
Atravessada a estrada, desejei-lhe um bom dia e despedi-me:
-Minha senhora, já cá está sã e salva deste lado...
-Salva estou… quanto ao sã, quem me dera estar…
A senhora continuava a pressionar-me o braço, sem dar
qualquer sinal de abrandamento e disse-me:
-Caro jovem, agradeço a sua simpatia e peço-lhe que me leve
até à esquina… -e apontava-me a casa bem ao fim da rua.
A ver as horas de entrada ao serviço a aproximarem-se, sorri
um pouco encavacado e, com vergonha de dizer não, segui até à esquina indicada.
É claro que os leitores já adivinharam que o meu tormento
não chegara ao fim.
-Para dizer a verdade, meu dilecto amigo, eu vou ao Centro
de Saúde…se não se importasse de me acompanhar …
Não acreditei no que ouvia. O Centro ainda era bem longe do
local onde nos encontrávamos. Pensei em mim como num novo Sinbad, escravizado
pelo velho que se encavalitara em torno do seu pescoço e o dominava com as
pernas, transformadas em galhos secos que o asfixiavam. Recordei a artimanha do
marinheiro para se libertar do jugo: embebedar o velho…
De modo quase inconsciente, avaliei a propensão para a pinga
por parte da idosa e não vi sinais de vermelhidão na ponta do nariz, nem cheiro
a álcool. O único cheiro que ela exalava era a pó de arroz…
Estava eu nesta indecisão quando passou uma vizinha que me
libertou:
-Ora venha daí Dona…vai para o Centro de Saúde não
é…continua a saber escolher quem lhe apara os golpes…
E as duas senhoras seguiram, uma pendurada na outra, para o
mesmo destino.
Jorge C. Chora
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