quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

UM NATAL ÀS AVESSAS

                                                                                 
Nos finais da década de cinquenta, eu e o meu irmão tivemos um Natal inesquecível. Na altura, teria sete anos e o meu irmão cinco e estávamos na Beira, Moçambique, cidade onde nascemos.

Na véspera do Natal mal contínhamos a ansiedade, antevendo as prendas que receberíamos no dia 25. Deitámo-nos muito cedo e tentámos dormir com um olho aberto, na esperança de conseguirmos surpreender o Pai Natal na sua visita.

Pelas cinco da manhã, já era de dia, saltámos da cama e corremos à sala de visitas, onde se montava a árvore de Natal. À volta da árvore não havia nada, nem uma única prenda. Com a respiração suspensa, voltámos a olhar e vimos ao lado do sofá, dois pares de sapatos velhos, daqueles que se compravam na Rodésia e com os quais pontapeávamos tudo o que nos surgia à frente, fossem pedras, latas ou bolas.

Sem proferirmos uma só palavra, vasculhámos várias vezes a sala, até nos convencermos de que nada, mas mesmo nada lá estava. Recolhemos ao nosso quarto, encostámos a porta, sentámo-nos nas camas e o meu irmão, muito baixinho exclamava:

-O filho dum cão do Pai Natal…é mesmo cão…

Eu, sem um pingo de sangue, aprovava com a cabeça o adjectivo empregue, esperando que ninguém ouvisse o que lhe chamávamos.

Que bem nos sabia designar assim o estupor que se esquecera de nós, embora o disséssemos baixinho, pois sabíamos que de outro modo teríamos de suportar o piripiri na língua, castigo que nos seria aplicado, mesmo que os pais não estivessem presentes, pela nossa adorada e rechonchuda ama, chamada Lina.

Depois de muito padecermos, ainda com a fúria em alta, lá pelas sete da manhã, surgiram os nossos pais que, fingindo-se surpreendidos com o que acontecera, sugeriram que, caso não nos tivéssemos portado mal, talvez o Pai Natal se tivesse enganado na sala e os tivesse deixado noutra.

Mal ouvimos falar nessa possibilidade, voámos casa fora e descobrimos na sala de jantar, os brinquedos cobiçados.

E a Terra voltou a girar!


Jorge C. Chora

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