Nos finais da década de cinquenta, eu e o meu irmão tivemos
um Natal inesquecível. Na altura, teria sete anos e o meu irmão cinco e
estávamos na Beira, Moçambique, cidade onde nascemos.
Na véspera do Natal mal contínhamos a ansiedade, antevendo
as prendas que receberíamos no dia 25. Deitámo-nos muito cedo e tentámos dormir
com um olho aberto, na esperança de conseguirmos surpreender o Pai Natal na sua
visita.
Pelas cinco da manhã, já era de dia, saltámos da cama e
corremos à sala de visitas, onde se montava a árvore de Natal. À volta da
árvore não havia nada, nem uma única prenda. Com a respiração suspensa,
voltámos a olhar e vimos ao lado do sofá, dois pares de sapatos velhos,
daqueles que se compravam na Rodésia e com os quais pontapeávamos tudo o que
nos surgia à frente, fossem pedras, latas ou bolas.
Sem proferirmos uma só palavra, vasculhámos várias vezes a
sala, até nos convencermos de que nada, mas mesmo nada lá estava. Recolhemos ao
nosso quarto, encostámos a porta, sentámo-nos nas camas e o meu irmão, muito
baixinho exclamava:
-O filho dum cão do Pai Natal…é mesmo cão…
Eu, sem um pingo de sangue, aprovava com a cabeça o
adjectivo empregue, esperando que ninguém ouvisse o que lhe chamávamos.
Que bem nos sabia designar assim o estupor que se esquecera
de nós, embora o disséssemos baixinho, pois sabíamos que de outro modo teríamos
de suportar o piripiri na língua, castigo que nos seria aplicado, mesmo que os
pais não estivessem presentes, pela nossa adorada e rechonchuda ama, chamada
Lina.
Depois de muito padecermos, ainda com a fúria em alta, lá pelas
sete da manhã, surgiram os nossos pais que, fingindo-se surpreendidos com o que
acontecera, sugeriram que, caso não nos tivéssemos portado mal, talvez o Pai
Natal se tivesse enganado na sala e os tivesse deixado noutra.
Mal ouvimos falar nessa possibilidade, voámos casa fora e
descobrimos na sala de jantar, os brinquedos cobiçados.
E a Terra voltou a girar!
Jorge C. Chora
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