segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O COCA-BICHINHOS

 

 

Quando Filipe anunciou o seu propósito de ir para academia de polícia, os pais entreolharam-se e nada disseram. Não eram os seus sonhos. O pai sonhava vê-lo como um matemático e a mão com um investigador de doenças raras.

Ficaram triste e calaram a sua tristeza. Afinal, a vida era dele. No curso ficou conhecido como o coca bichinhos: nada lhe escapava. Terminou-o com brilhantismo.

Casou-se com uma senhora, por quem se apaixonou, sem qualquer referência, caída do céu.

Teve como primeira colocação uma bonita e desenvolvida Vila.

Logo no primeiro mês, começou a notar frequentes ausências da esposa. Achou de mau tom interrogá-la sobre onde ia e o que fazia…

A vila começou a olhá-lo de viés. Algo se passava. Pôs-se em campo e descobriu um armazém semiabandonado, no meio da vila, donde provinham gritinhos de prazer que não lhe eram estranhos.

Abriu a porta e o que viu derrubou-o. A sua mulher, nua, a fazer amor, com um estranho. Nunca mais foi o mesmo.

Na vila já todos sabiam. Afogou quanto pode, as suas mágoas na bebida do bar da Ermelinda.

Ermelinda simpatizava com Filipe. Arranjou-lhe uma sala no interior do bar para que não o vissem beber e falou-lhe francamente.

-O senhor chefe não se vai penalizar-se por uma má escolha que fez. Para a frente é que é o caminho. Cabeça levantada e para próxima, uma escolha com mais critérios!

Um dia apareceu morta uma jovem mulher. Acorreu ao acontecimento, oscilando.

-Alguém mexeu no cadáver? - a voz tornara-se imperativa,

-A senhora não transportava nada? Nem mala nem documentos.

-Alguém assistiu ao acidente?

Ninguém vira nada!

Mudou de estratégia. Quantos carros entraram na vila? e dirigiu a pergunta aos eternos frequentadores do banco, em frente ao bar da Ermelinda.

-Não sabemos. Filipe enfureceu-se:

-Toca a anda a par a esquadra. Uma noite no calabouço reaviva-vos, a memória.

Ante disso revistou o cadáver. Tinha no bolso um catão amarrotado, do Sindicado dos Professores.

-Ah! Ela era professora!

-A escola estava à espera de uma professora, informou Ermelinda.

E quem sabia disso?

- A filha do presidente, que tinha de sair mal chegasse uma professora habilitada.

Filipe voltou ao lugar do crime. Observou em redor e viu uma grande árvore com um lenho,

- Isto foi aqui na vila, todos viram e ninguém diz nada. Só pode ser pessoa grada. A filha do presidente é que tinha mais a perder. Pediu ao juíz para ir á garagem da Câmara Municipal, com urgência, porque podiam desparecer vestígios num ápice.

Lá estava o jipe com para-choques amarrotado.

De nada lhe serviu querer endossar as culpas para os motoristas. Estavam todos no banco da Ermelinda.

Ermelinda foi a primeira felicitá-lo pela resolução rápida e eficiente do caso.

Nunca mais alguém fez troça do chefe.

 

Jorge C. Chora.

2/9/ 2022

 

 

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