terça-feira, 11 de outubro de 2022

O ESPANTA-CAVALOS

 

Nunca foi bom de assoar. Raro era o dia em que não dava uma coça em alguém. Nasceu nas barracas que hoje já foram abaixo. Todos os dias havia sobressaltos: botijas de gás que explodiam, pauladas, homens que se enfiavam nas barracas dos outros, gritinhos de prazer que escapavam em momentos inoportunos.

Era temido por todos e fazia dos outros o que queria. Um dia não viu o cavalo no escuro da estrebaria, e de modo sorrateiro, foi-se enfiando pelo escuro dentro, em busca dos arreios do bicho que lhe davam jeito para vender… Azar dos azares. Era a cavalariça em que o espanta-cavalos tinha o hábito de penetrar à sorrelfa e dar uma daquelas sovas de criar bicho ao desgraçado do animal.

O cavalo, há quem diga e afirme a pés juntos, que o topou logo na entrada e o deixou entrar, como se não tivesse dado por ele.

De repente, sem ninguém esperar, deu-lhe um coice daqueles bem dados, nas partes.

Acordou três dias depois, no hospital, desorientado, na enfermaria feminina. De imediato palpou os seus documentos e não os encontrou.

Berrou pelas médicas, pelas enfermeiras, pelo pessoal auxiliar e também pelo da limpeza, não fosse dar-se o caso de terem e varrido, inadvertidamente, o penduricalho para o lixo.

Acorreram todas numa aflição espantosa, julgando tratar-se de um caso de morte súbita e irreversível.

Inteiradas do assunto, acalmaram a doente, foram-lhe buscar um grande espelho, formaram uma grade roda e pediram-lhe de forma delicada e assaz feminina:

- A menina veja só o espanto de vagina, com que foi alindada. Todas queríamos uma igual à sua: perfeita, de tamanho ideal, perfeita para uso diário.

Tem, aliás, uma lista de espera gigante para conseguirem uma igual à sua!

Jorge C. Chora

11/10/2022

Sem comentários:

Enviar um comentário